Este é um espaço para acompanhamento de atividades, críticas e sugestões para os que fazem parte, ou não, do Projeto JECA (Maceió)

segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

Relatório Parcial do Projeto JECA

Unidades Envolvidas - UFAL

Centro de Educação – CEDU (através do Núcleo de Ensino, Pesquisa e Alfabetização de Jovens e Adultos - NEPEAL e pelo Grupo de Pesquisa Comunicação Multimídia - COMULTI)
Instituto de Ciências Humanas, Letras e Artes – ICHCA
Curso de comunicação Social - COS
Assessoria de Comunicação - ASCOM
 
Parceiros
Projeto Virajovem Alagoas
Rádio Comunitária Martins FM 87,9
Escola Estadual Ovídio Edgard
Associação dos Moradores da Rua do Campo (Amorucampo)
Revista Viração
 
Resultados  

Durante o período  de 01 de Maio a 01 de Novembro de 2010 foram realizadas oficinas temáticas: Mídia e Juventude, Redação, Jornal-mural, Rádio e Produção de conteúdo.
Na oficina de Mídia e Juventude, abordamos a verificação da realidade onde o adolescente vive, a potencialidade midiática de inclusão dos jovens e a discussão sobre a visibilidade do jovem nas diversas mídias.
Como resultado dessas oficinas tivemos a inclusão dos jovens em ferramentas de comunicação presentes na web, exibindo o potencial de redes sociais, blogs, rádios web e outros meios de comunicação viral na abordagem de temas de interesse do adolescente. Houve uma familiarização dessas ferramentais para que estes possam desenvolver conteúdo com caráter crítico.
A nova ortografia e o texto jornalístico também foi item de discussão nas oficinas de Redação, onde apresentamos as principais mudanças na nova ortografia da língua portuguesa e a formação de um texto jornalístico para a produção de conteúdo nas mídias.
Nessa oficina foram discutidos a redação e sua aplicabilidade no radio e na TV. Num contato entre estudantes e profissionais da área da comunicação, estes problematizaram as mídias a que pertencem e houve troca de experiências entre os envolvidos, no sentido de acabar com os principais mitos das mídias tradicionais.
Em junho, na oficina de Jornal-mural, foram apresentadas as diferenças entre jornal mural e quadro de avisos. Nesta oficina os alunos puderam pôr em pratica conceitos como o lead jornalístico, e aprenderam conceitos de layout de periódicos e jornal-mural. Os alunos discutiram questões do relacionamento entre design e texto através de recortes de matérias do interesse de cada um deles.
No final, os alunos secundaristas produziram um jornal-mural da escola, com editorias escolhidas por eles, como: Entrevistado da semana, espaço do aluno, Horóscopo, Curiosidades, Aconteceu no Mundo, Meu bairro, Minha cidade, Agenda e esportes.
Nos meses de agosto e setembro e outubro houve realização da oficina de radio, onde os alunos tiveram seus primeiros contatos com as ferramentas de captação, produção e edição de programas de áudio; aprenderam a utilizar ferramentas de radio web, como também produziram programas de radio próprios, após conhecimento teórico sobre o assunto.
Essa oficina tem como objetivo estimular o uso do espaço físico da própria escola, visto que esta possui uma radio própria, com equipamentos novos e atualizados que permitirão uma fácil utilização por pessoas que não tenham um vasto entendimento do funcionamento de uma rádio.
Nos meses de outubro e novembro, estaremos acompanhando a produção de áudio e textual dos alunos anteriormente orientados para este fim. Os secundaristas atualmente estão sendo integrados a outros projetos que visem à produção de mídias alternativas.
Para os meses de Novembro e dezembro está prevista produção de áudio e texto, além da cobertura do SuperConquest, um evento de games e animes em Maceió, e a organização de um evento na escola, onde os jovens vão integrar o Fórum Nacional da Viração sobre o Ensino Médio.

Proposta para soluções das dificuldades encontradas
 
Solicitação prévia ao setor de transportes da Universidade
Recursos fornecidos pela Universidade para uso exclusivo de divulgação e produção do projeto.
Disponibilidade de laboratórios de informática do Curso de Comunicação Social e empréstimos de hardwares de gravação e obtenção de imagens da Ufal.
 

quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

Agora por nós mesmos

 Jhonathan Pino, do Virajovem Maceió (AL)*

O cineasta Cacá Diegues e a produtora Renata Magalhães falam sobre cinema e ação policial no Rio de Janeiro

Durante o 3º Seminário Internacional da Universidade Federal de Alagoas (Ufal), realizado em novembro de 2010, um dos nomes mais aguardados pelo público foi o do cineasta Cacá Diegues. Ele veio com a sua esposa e também produtora, Renata Almeida Magalhães, para a divulgação do longa-metragem 5 x Favela: Agora por nós mesmos, feito pela produtora do casal e que reuniu cinco jovens cineastas e moradores de comunidades do Rio de Janeiro para atuarem no roteiro e na direção.
Essa produção foi baseada em um filme de nome homônimo, rodado em 1961, dirigido por jovens da classe média do Rio de Janeiro, que ao focalizar a realidade das favelas cariocas em cinco diferentes histórias, acabou dando novos rumos ao cinema brasileiro e serviu de marco para o início do Cinema Novo no País.
A segunda versão do 5 x Favela foi produzida por jovens cariocas moradores das favelas retratadas, que foram responsáveis pelo roteiro e direção de outras cinco histórias com a visão própria dos moradores. Foi por isso, e pela qualidade do longa-metragem, que a produção vem chamando a atenção em festivais de cinema consagrados no mundo, como os de Chicago e Cannes.
Em sua última passagem por Alagoas, além de participar do Seminário na Ufal, Cacá madrugou no Corujão do Cine Sesi e recentemente recebeu a Medalha do Mérito da República Marechal Deodoro da Fonseca, cedida pelo governador Teotônio Vilela Filho no Memorial da República.
Apesar de ter vivido em Alagoas só até os seis anos de idade, o cineasta não esquece as origens: filmou longas em Alagoas, como Deus é Brasileiro (2002) e Joana Francesa (1973) e abordou o Estado em vários outros filmes, como Ganga Zumba (1964) e Quilombo (1984). Atualmente Cacá e Renata estão iniciando uma produção inspirada na poesia de O Grande Circo Místico, de Jorge de Lima.
Os dois concederam uma entrevista à Vira que, apesar de ter sido feita no começo de novembro, antecipa algumas questões que vieram à tona com a megaoperação policial que expulsou os narcotraficantes do Complexo do Alemão, no Rio de Janeiro (RJ).

Viração: No início do filme 5 x Favela, uma mensagem diz que “depois dos policiais, agora é a vez dos moradores da favela falarem sobre a realidade deles”. Essa série de filmes com a linguagem das comunidades tem aumentado no Brasil. Esse tema gera certo incômodo nos produtores de filmes com o foco nos policiais?
Cacá Diegue:: Na verdade, existe hoje um certo estereótipo da favela carioca. Um clichê da favela. E é claro que o noticiário foca mais no lado emocional e escandaloso, ou seja, na violência. Mas isso não significa que aviolência está presente o tempo todo. Apenas 0,02% da população de uma favela está ligada ao tráfico, mas são eles que controlam o espaço. E o resto dos 99,98 %, que são pais de famílias, pessoas que querem estudar e crescer na vida, mas estão prejudicados por essa situação. Eles precisam ter voz também. Então, a ideia de 5 x Favela foi fazer com que os jovens fossem porta-vozes de suas próprias vidas e recuperassem a sua própria identidade.

Você escreveu, no jornal O Estado de S.Paulo, sobre a instalação das Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) nas comunidades do Rio de Janeiro. Você acha que essa ação trouxe grandes mudanças?
Cacá: A UPP é o primeiro projeto de segurança pública válido para as favelas do Rio de Janeiro. É um passo importantíssimo, pois recupera um território ocupado pelas armas. Mas se o Estado não trazer saúde, educação, saneamento básico etc., não vai adiantar nada, porque os meninos que estão sem emprego e precisam de renda vão para o lado do crime. Acabamos de fazer um documentário (4 x UPP) sobre esse assunto, dirigido por quatro diretores do 5 x Favela para dizer que a UPP é o primeiro passo para a mudança da realidade carioca que realmente tem valor. 

Qual a maior diferença da primeira versão do 5 x Favela (1961) para o filme atual, além da classe social dos diretores?
Cacá: A diferença basicamente é essa mesmo, pois enquanto o filme original era um filme generoso, que acabou sendo um marco para o Cinema Novo, tinha um olhar de fora da favela. A versão atual não, pois tem um olhar de dentro da favela, das pessoas que moram lá. Portanto é um olhar diferente. Não estou dizendo que a outra visão é inválida e acho perfeitamente legítimo que os cineastas de classe média queiram fazer filmes como o 5 x Favela. Mas é preciso que as pessoas de dentro das favelas também possam ter essa oportunidade.
Renata: E isso só foi possível quase 50 anos após o nascimento do chamado cinema moderno. Eu acho que faz todo um sentido, é uma coisa que desenha um olhar muito bacana que o cinema tem.
O número de filmes que vocês produziram sobre Alagoas é bem expressivo, e agora vocês estão planejando um longa a partir do poema O Grande Circo Místico, de Jorge de Lima. 

Por que esse grande interesse cinematográfico por Alagoas?
Cacá: A minha família, com exceção dos meus pais, está toda aqui em Maceió, e até os meus 13 anos eu passava as minhas férias aqui na capital. Meu pai, um antropólogo e escritor, nos fazia ler sobre o Estado e, nisso, ganhei uma formação cultural. Também viajei muito por Alagoas com ele, conhecendo tudo muito bem. Tenho laços sentimentais aqui. Mas a base do meu trabalho é no Rio de Janeiro. 

O filme O Quilombo, por exemplo, foi gravado no Rio de Janeiro, mas cita uma história de Alagoas.
E o filme que faz referência à obra de Jorge de Lima?
Renata: É só um poema e está dando um trabalho (risos)! A gente ainda está no começo. 

Ele vai ser filmado aqui no Estado?
Cacá: Ainda vamos ver, pois só vamos começar a gravação no segundo semestre de 2011. Não
tem muita coisa decidida. 

*** Matéria publicada na Revista Viração Nº68, Janeiro de 2011. também disponível para dowload.

terça-feira, 4 de janeiro de 2011

Vidas Ligadas por um Rio


Daniel Silva, Elaine Lira, Jhonathan Pino, Roberta Batista e Thaís Magalhães, Virajovens de Alagoas.

Um mês depois das enchentes que castigaram milhares de famílias nos Estados de Pernambuco e Alagoas, deixando mais de 100 mil pessoas desabrigas e quase uma centena de mortos e desaparecidos, o grupo da vira em Alagoas foi a Murici, cidadezinha de 27 mil habitantes que fica a 51 km da capital, Maceió, e uma das mais atingidas pelas enchentes.
 Logo na entrada da cidade é possível ver um varal com milhares de roupas estendidas nas cercas das fazendas ao redor da cidade. Em frente ao varal coletivo, estão centenas de desabrigados ocupando quatro prédios que foram construídos para servir de rodoviária e galpões para futuras instalações de indústrias têxtil na cidade, e que agora servem de abrigo para essas pessoas.
Um dos desabrigados é Antônio Carlos Rufino Moreira, 16 anos. O encontramos de frente a um dos galpões com seus atípicos olhos azuis que tanto encantaram as meninas do grupo da Vira. Quando o vimos pela primeira vez, ele estava encostado num dos galpões, olhando pacientemente para aquele amontoado de gente que se ocupava nas caixas d’água, lavando suas roupas e dando banho nos menores em frente ao galpão. Dezenas de caixas d’água foram ali colocadas para suprir uma das primeiras necessidades daquelas pessoas que haviam fugido das águas do rio Mundaú.
Barulho, mau cheiro, brigas, tentativas de roubo: “Aqui acontece coisa que até Deus duvida”, nos falou a mãe de Rufino, Maria da Silva, 46. No meio de tanta bagunça, os olhos azuis de Rufino chamavam a atenção: ele parecia apenas admirado como tanta coisa havia mudado em apenas um mês na sua vida. Quando as águas do Rio Mundaú estavam subindo, no dia 18 de junho, Rufino partiu junto com os seus três irmãos com as águas pelos joelhos para a Usina São Simieão, local mais alto onde poderiam ficar mais seguros.
Sua mãe, dona Maria, não resistiu à curiosidade: preferiu ficar e passou três dias em cima da casa esperando a água baixar. “Fiquei pra ver a enchente, porque nunca tinha visto uma.” Quando desceu do telhado, a água ainda estava batendo nos seus ombros. Maria foi avisada por populares que haveria a cheia. Mas ela preferiu ficar para ver. “Porque eu era curiosa, mas agora, graças a Deus não sou mais. Eu quase morri!”, revela Maria com um certo humor negro.
Ela recebeu ajuda de um vizinho, que colocou uma escada para que Maria e mais três vizinhos ficassem em cima da casa. “Não teve socorro não. O helicóptero passava, a gente gritava, mas ninguém foi socorrido”, disse ela. Maria sobreviveu graças ao mercadinho que um amigo tinha. “Nós acabamos com a comida da venda de um amigo muito bom que tenho. Comemos farinha e tomamos refrigerante durante todos os dias,” disse ela. Quando desceram, fizeram fogo para espantar as cobras, que eram seu maior medo. “Eu sou do interior, mas tenho medo dessas coisas, meu maior medo era cobra”, revela a mãe de Rufino.
Rufino ficou três dias com os irmãos menores sem saber onde estava a mãe e esperando as águas passarem. Quando o encontramos no dia 18 de julho, um mês depois das enchentes, Rufino ainda trabalhava como uma formiguinha, tirando sozinho a lama de sua casa que chegou atingir um metro de altura. Ele disse que agora só falta limpar o telhado da casa para que voltem para o local onde moravam.  
Maria e seu filho Rufino perderam tudo da e agora vivem com doações que chegam. Eles sobrevivem agora num ambiente coletivo, em que o barulho é constante, o mau cheiro toma conta do lugar e com apenas uma cama, um colchão e a geladeira, única coisa que conseguiram salvar. Mas Maria revela que não quer ficar assim por muito tempo: “Não queria nada, nem roupa, nem nada. Porque se eu vivia com pouco antes da cheia, como é que agora eu quero viver com muito? Eu só queria o meu sossego, sair daqui e ir pra minha casa: Isso não é vida de ninguém não” diz Maria chorando. 

Recomeço
Enquanto estávamos fotografando o centro da cidade de Murici, que mais parecia um cenário daqueles que vemos em filmes de guerra, encontramos Maria de Lurdes de Deus Ferreira, 17 anos, sua mãe Maria José, 49 anos e os filhos de Lurdes, Derick Luan, 2 anos, e Dalisson Werick de apenas 10 meses. Eles estavam indo para casa, na rua da Floresta – a mesma onde o Rufino morava – levando num carrinho de mão algumas roupas velhas distribuídas pelo exército.
A casa, ainda úmida, e com marcas de água até o teto, estava cheia de roupas velhas espalhadas por todos os cômodos. Apesar do número grande de roupas, estas não os serviam, eram muito grandes e as crianças ainda ficavam quase nuas e descalças devido a falta de donativos voltados para as crianças. Como o colchão ainda estava molhado e o chão, tanto da casa, como da rua, cheio de lama, todos eles pegaram frieiras, e os dois filhos de Lurdes ficaram seriamente doentes. O quintal da casa, apesar de todo o trabalho no último mês ainda está cheio de água e lama.
Eles souberam da cheia um pouco antes, às 16h da sexta-feira, quando um homem desconhecido passou avisando: “quem tiver criança vá embora daqui, vai chegar muita água daqui a pouco. Vem muita coisa descendo aí.” Mas elas acharam que seria uma experiência como as outras, em que a água não subiu mais que a altura dos joelhos.
Maria Patrícia, 20 anos, irmã de Lurdes e mãe de Saniele Lauane, que não tinha sequer 2 meses de vida, não quis saber de esperar,  “estava chovendo, botei a pequeninha no braço, peguei a sombrinha e fui. Meus vizinhos ficaram três dias em cima das casas. Algumas casas caíram”, disse Patrícia.
Lurdes e Patrícia que estavam doentes havia vários dias e não estavam se alimentando direito, ficaram com bastante medo. Lurdes levou primeiro um dos filhos e depois voltou para levar o outro, já Patrícia levou logo a bebê. Elas foram para a casa do irmão, que fica na Usina São Simeão “porque é longe do rio”. Quando elas saíram, pouco mais de 17h, a água já estava próximo ao joelho. “A água já tava na perna”, diz Lurdes mostrando a perna e a altura da água na parede.
A mãe de Lurdes ficou tentando salvar os móveis e só foi embora pra a Usina
às 18h com mais pessoas da família. Elas disseram que à 1h da madrugada outras pessoas na chegaram Usina dizendo que faltava um metro para a água cobrir as casas e que a situação estava horrível, com coisas descendo rio abaixo com força da água. Sua cachorra Cristina, não se sabe com a ajuda de quem, passou sete dias em cima da casa, comendo restos deixados pelas águas.
Com três dias matriarca da família tentou voltar para ver a situação da casa.”O medo é que ela estivesse caído”, diz Maria José. Eles perderam coisas que ainda estavam pagando com sufoco como o armário da cozinha. Também perderam o berço do bebê que haviam comprado há menos de um mês. “Até a caixa d’água que estava em cima da casa foi levada pela água,” lamenta Maria. Os adultos voltaram para casa com 15 dias e as crianças só voltaram quando estava um pouco mais limpo. “Se é possível chamar de limpo”, fala Lurdes.
A família de Lurdes não recebeu nenhuma doação para a casa, como colchão. Mas toda semana eles recebem roupas e uma cesta básica por semana. Eles têm um quarto cheio de roupas, mas a maioria não as serve. As roupas são distribuídas sem seleção e na casa há crianças e jovens: mas eles recebem roupas apenas para adultos mais velhos, só dona Maria mãe as aproveita. Eles acabam passando para outras pessoas.

Vida provisória
Longe do rio estava família de Carla Taíse da Silva, de apenas 12 anos. Ela, seus pais, Carlos Henrique, 33 anos, e Maria José da Conceição, 28 anos além de seus irmãos Claudemir Henrique, 11 anos, Charles Henrique, 9 anos, Cleberson Eduardo 4 anos e Carlos Eduardo de 3 anos, estavam num complexo de barracas de lona montadas pelo Corpo de Bombeiros.
Na barraca deles tinha roupas quatro colchões de solteiro que eles ganharam. Eles também recebem comida três vezes ao dia, mas não sabem quando vão sair das barracas. “Ninguém chegou para dizer ainda quanto tempos vamos passar aqui”, dissea Maria, mãe da Carla.
Eles saíram de casa quando a água estava no joelho, mas não deu tempo de tirar nada. “Tudo foi muito rápido”. Mas mesmo assim, Maria José disse que não queria sair de casa na sexta. “A gente perdeu a casa da gente, não queria sair porque ficamos desabrigados, com tanta criança. Eu não pensava em nada, não pensava no perigo, não dá pra pensar em nada,” disse Maria José.
Eles disseram  que durante a noite é tranqüilo ficar na barraca, mas que durante o dia, devido ao calor, não há condições disso, “a quentura é demais”, dizem Maria e Carla. Apesar de existe torneiras perto do local, Maria José ainda não sabe ainda como vai fazer para lavar roupa, “aqui é ruim pra lavar pano. Também é ruim pra tomar banho; não tem onde separar. Quando a gente vai tomar banho, o pessoal fica olhando, aí tem que tomar banho de roupa,” disse Carla com os olhos negros e confusos.
Todos os adolescentes com quem conversamos, sejam aqueles de olhos azuis de paciência de uma formiga que trabalha diariamente como os de Rufino, sejam os olhos de mel de medo de Lurdes, sejam os olhos negros e confusos de Carla, estudavam nos mesmos colégio. Não se conheciam, mas tinham o mesmo destino naquela sexta-feira, 18 de junho. Foram expulsos de suas casas com as águas do Rio Mundaú batendo nos joelhos; esperaram durantes três dias as águas baixarem enquanto estavam ilhados e agora estão apenas esperando se alguma ajuda divina ou humana é capaz de tirá-los da bagunça, da sujeira e dos olhos curiosos daqueles que se aproveitam do momento para ver seus corpos enquanto tomam banho.



*** Matéria publicada na Revista Viração Nº64, Agosto de 2010. também disponível para dowload.

segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

Reparação Social


A diretora do Núcleo de Estudos Afrodescendentes Brasileiros (NEAB), fala sobre as ações realizadas para cotistas

Avanny Oliveira, do Virajovem de Maceió (AL)

Em julho de 2009, um processo movido pelo Partido dos Democratas (DEM), com a finalidade de garantir a declaração de inconstitucionalidade de todas as leis sobre sistemas de cotas raciais aplicadas no país, abriu a discussão sobre o sistema no Brasil.
O sistema de cotas é destinado não somente para afrodescendentes, mas também para pardos provenientes de escolas públicas. A decisão está sendo aguardada por mais de 60 instituições de ensino do país; entre federais, estaduais e particulares; que têm implantado o Programa de Políticas de Ações Afirmativas. O sistema de cotas é uma política legal, contemplada pela constituição de 1988. A diretora do Neab, a historiadora Clara Suassuna comenta sobre o assunto.

Quando surgiu o NEAB e qual o objetivo dele?
O Neab surgiu nos anos 80, mais precisamente no ano de 1981, quando foi criado o primeiro núcleo da Universidade de Alagoas. Primeiro era um centro de pesquisa e hoje é um núcleo de estudos afro-brasileiros. O Núcleo de Estudos, é direcionado a questões afrodescendentes. Ele teve um papel junto com o Movimento Negro muito interessante na década de 80, com o reconhecimento da Serra da Barriga, a 100km de Maceió,  e a história do Quilombo dos Palmares nesta questão de atribuir a identidade afro-brasileira, como primeira republica de africanos, de fato, liberta, do Brasil
O Neab está junto nesta história, da questão da identidade afrobrasileira, não só em Alagoas, mas em todo o símbolo, num conjunto de lutas nacionalmente. Isso veio a partir de colaborações e iniciativas de pesquisadores da universidade junto com as organizações civis da sociedade.

O que são Programas de Ações afirmativas?
A partir de 2001, quando o Brasil se auto-declara um país racista; o país se compromete politicamente a fazer ações afirmativas para amenizar disparidades de todas as formas de discriminação, seja ela xenofóbica (medo do desconhecido, outras culturas, por exemplo), homofóbica (discriminação a homossexuais), contra a mulher, a judeus e etc. Em 2003 temos a questão de envolver a história do afrodescendentes nas disciplinas da escola e em seguida vem a questão da cultura indígena. Por exemplo, a gente desconhece as palavras que são utilizadas na língua portuguesa que nem nos damos conta, como por exemplo: vatapá,  naná (dormir), mimi, galalau, bambambã, palavras que a gente usa aqui em alagoas e que devemos ensinar os meninos, essa influencia afro, assim como devemos estudar outras culturas.
É você incluir quem está fora, retratando, e dando oportunidade a quem esta fora, isso é um Programa de Estado. Nós somos formados dentro de uma sociedade racista e preconceituosa e temos que começar este processo que vai demorar anos. As políticas de ações afirmativas são um ‘ponta-pé’ inicial.
As políticas de ações afirmativas, não é um programa de um governo. É um processo de retratação histórica.

Este programa é só destinado a negros?
Todo mundo fala de cotas, mas o programa envolve formação de professores, envolve conhecimento e capacitação, atendimento aos alunos. Além da cota, é um programa bem mais amplo, existe a permanência do alunos dentro da universidade, que envolve a ampliação de um restaurante universitário, ampliação de dormitórios.

Quando foi implantado o sistema de cotas na Universidade Federal de Alagoas? E como ele vem sendo recebido?
O nosso programa foi implantado pelo CONSUNI (Conselho Superior Universitário), da Ufal, em 2003, em 2004 preparamos o vestibular, em 2005 os primeiros alunos ingressaram na universidade vindos de escolas publicas e auto-declarados pretos ou pardos e nosso programa terá validade até 2014. O nosso programa está vinculado a escola publica, o que não significa que os alunos de escola publica não possa fazer o vestibular normal. O sistema de cotas não é um presente, os meninos passam pelo mesmo processo seletivo.
Nós fizemos um programa aqui na Ufal, que ao que me parece diferencia de outros projetos espalhados pelo Brasil, que as universidades têm a liberdade de fazer seu próprio programa dentro de sua realidade. Nós oferecemos 60% (dos 20% de vagas destinadas a cotas) das vagas para mulheres, e 40% para homens, o porquê disto é que percebemos que a mulher entra menos na universidade porque muitas das vezes ela é quem cuida da família, dos filhos e ela quem fica com as responsabilidade de cuidar da família, então ela estuda menos.

O aluno cotista, quando entra na universidade recebe educação diferenciada?
O aluno cotista, na hora que ele entra na universidade, os professores não tem acesso a estas informações, a não ser que o aluno queira se auto-declarar cotista, na pagela não tem essa divisão, nós aqui do Neab sabemos, porque trabalhamos junto com a Copeve (Comissão Permanente do vestibular) da Ufal.

O que diferencia o sistema de outros do Brasil?
Normalmente o aluno que vinha das escolas públicas escolhiam a área de humanas, por ser considerada uma área fácil, e com a implantação destes programas os alunos estão tendo um incentivo maior para buscar as áreas de saúde e engenharias.
O nosso sistema difere do de Brasília, porque lá existe uma comissão que entrevista o candidato e diz se ele tem direito a cotas ou não. Nós temos um documento, legal, que o candidato se auto-declara, em um processo de formação que leva o aluno a pensar, de onde eu venho, quais as minhas origens e como eu me auto-declaro.
Alunos que tiverem os últimos 3 anos de escolas públicas, consecutivos tem direito a cotas.

Quantos alunos tiveram acesso a universidade por este sistema?
Desde 2005 até os dias de hoje, foram 3022 alunos cotistas. Sendo que em 2005 entraram apenas 192 e agora em 2010 entraram 766, mostrando um crescimento gradativo.

A que se deve este crescimento?
Os alunos começam a conhecer o programa através das escolas, há uma maior divulgação. A gente percebeu que os alunos de escolas públicas não têm coragem de se inscrever no vestibular por se achar incapaz de passar. Pensam que a universidade é lugar pra gente rica, que eu não vou passar e etc. Com este programa de ações afirmativas o aluno tem coragem de se inscrever em um vestibular. Hoje temos alunos que tiram os primeiros lugares, este tabu vem sendo quebrado. Este é um modo de fazer alguma coisa pela escola enquanto ela não melhora.

E quando este aluno entra na universidade, em alagoas, há algum programa de incentivo?
Sim, o aluno pode se inscrever em bolsas, onde o professor orienta e o aluno fica tutelado, em uma pesquisa. Nós tivemos, por exemplo,  de 2005 a 2007 um programa do Ministério da Saúde chamado “Afroatitude”, ligado a Pró-reitoria de Extensão. Em 2009 até o final de 2010 estamos com o Programa Odé Ayê (para todos), para professores e alunos cotistas, com projetos específicos de pesquisa de campo, onde vão trabalhar durante um ano.  Neste ano foram aprovados 14 projetos, dentro deste programa.
Aqui na Ufal temos uma linha de publicação específica chamada Kulé-kulé, um livro em formato de revista, publicada a cada 2 anos, com artigos científicos produzidos por alunos e professores coma temática afrobrasileira. Este ano será lançado um livro sobre a cultura. Esta publicação é mais destinada a professores de ensino médio, nós doamos para as escolas públicas. No ano passado a gente tinha pelo menos um livro em cada biblioteca do Estado. Só temos mil livros, o que é pouco, mas a gente tenta fazer o máximo que se pode fazer.
 
Tá na mão:
ü Se você se interessou pela publicação kulé-kulé ela está disponivel para baixar e ser usada como ferramenta de ensino, através do site: www.ideario.org.br
ü  O blog do Neab é: www.nucleo.ufal.br/neab
ü  Informações sobre o núcleo: neabufal@hotmail.com


*** Matéria publicada na Revista Viração Nº63, Junho/Junho de 2010. também disponível para dowload.

domingo, 2 de janeiro de 2011

Jogos digitais: habilidade e diversão, ou somente vicio?


Por: Avanny Oliveira, do Virajovem Maceió-Al

O mundo dos games é somente voltados a jovens, certo? Não é o que uma galerinha de Maceió diz. Um grupo de amigos organiza desde o ano passado o Super Conquest, um evento multitemático para toda a família. No evento o visitante encontra de tudo: cosplays, RPG, atividades recreativas, shows com várias bandas, apresentações culturais, empresas de tecnologia, livrarias, mangá, exibições de anime, videogames e muito! Muito mais!
Em agosto acontecerá a 4º edição do evento e de acordo com um dos organizadores do evento, Ciro Rocha, de  23 anos,  além da falta de atividades do tipo na cidade  é interessante  reunir pessoas que gostam deste tipo de evento em um só local. É atrelar um evento de jovens a um evento em família. “Depois do ‘boom’ da internet,crianças e jovens esqueceram a interação pessoaXpessoa”, afirma. A interação entre pessoas, segundo ele, deve ser incentivada.
“Sempre me pergunto para estes ‘seres’ sem vida social, qual a graça de jogar com alguém que você nunca viu e nem sabe onde mora. Pra mim diversão de verdade é jogar lado a lado... rir junto... se divertir junto”, define.
Ele conta que é viciado em games, mas que sabe exatamente a hora de parar. Mas não é só malefícios que os games desenvolvem, mas também concentração, como em jogos de raciocínio, e o reflexo, para jogos de tomada de decisões. Os vícios e as habilidades andam sempre lado a lado, mas de acordo com os participantes do evento, tudo pode ser moderado.


***Este é um box integrante da matéria: "Plugados ponto com", Revista Viração Nº63, Junho/Junho de 2010. também disponível para dowload.

sábado, 1 de janeiro de 2011

O que é o JECA?


Com o trabalho de alunos voluntários do curso de Comunicação Social, a parceria entre a Revista Viração, a Escola Estadual Ovídio Edgard, a Radio Comunitária Martins FM 87,9 e o Grupo de Estudos, Pesquisa e Extensão em Comunicação e Multimídia (Comulti); o JECA possibilita aos estudantes secundaristas a inserção na produção de mídias – sejam locais, como a raáio comunitária, ou nacionais, como a revista Viração.
A educomunicação, união da educação e da comunicação, é uma forma de leitura crítica da produção coletiva. O que a torna peculiar, é a influência que ela tem na formação de pessoas e na consolidação da sociedade. Para que esse conceito funcione da forma desejada e imprescindível difundir o conhecimento adquirido na Universidade em comunidades que estão à parte dos conceitos e potencialidades dos meios de comunicação.
Embora saibamos que a falta de estrutura ainda é um problema visível na maior parte das escolas brasileiras, utilizamos as propostas da educomunicação como forma de superar os obstáculos de uma comunidade carente, levando aos alunos a possibilidade de refletir sobre o poder do adolescente na construção de uma mídia que realmente sirva de instrumento para a mudança social e melhoria na qualidade de vida da comunidade a que pertence.

Metodologia

Apesar de ter suas atividades inseridas como projeto de extensão da Ufal apenas em maio de 2010, o Jeca atua continuamente desde maio de 2009 com alunos voluntários e parceiros envolvidos na discussão e capacitação de jovens das comunidades vizinhas a Universidade. Para que isso ocorra, adotamos os seguintes procedimentos:
a-                  Desenvolvimento de oficinas de rádio, jornalismo impresso, conceitos práticos e teóricos da comunicação social aos secundaristas da escola Estadual Ovídio Edgard, através dos estudantes bolsistas e voluntários de Comunicação Social da Universidade Federal de Alagoas;
b-                 Inclusão dos estudantes secundaristas e universitários no Grupo de Jovens Comunicadores do Brasil, introduzindo-os na discussão do papel dos meios de comunicação no país;
c-                  Utilização dos equipamentos de rádio já existentes na escola, para a produção de conteúdo voltada para a melhoria da aprendizagem;
d-                 Implantação do jornal-mural na escola com a produção de textos dos próprios alunos;
e-                  Analise da produção e correção dos possíveis erros na produção dos jovens envolvidos, verificando se atendemos ao público pretendido;
f-                  Parceria por intermédio dos estudantes universitários com a Revista Viração, uma revista de âmbito nacional, escrita e voltada aos jovens. Possibilitando a publicação ou contribuição em matérias feitas pelos próprios adolescentes;
g-                 Produção de programas na Radio Comunitária Martins, onde os jovens trabalham com conceitos já discutidos nas oficinas, como a cidadania, a diversidade, o acesso aos meios de comunicação e o Estatuto da Criança e do Adolescente;
h-                 Participação em concurso de fotografia, rádio, reportagens impressas, vídeos e ilustrações, estimulados pelos parceiros da ONG Viração, com a UNESCO e a Secretaria Nacional da juventude e
i-                   Avaliações mensais sobre o trabalho desenvolvido pelos jovens.


Conclusão
 A integração da Universidade e da comunidade, com a capacitação desta, através das mídias, tira da abstração conceitos de educomunicação, ao mesmo tempo em que efetiva o acesso de um público ainda em formação escolar na produção de conteúdo próprio, através de meios de comunicação acessíveis.
Se a capacitação dos secundaristas os dá maior discernimento para refletir e construir uma comunicação mais diversificada e que atenda os seus anseios, o processo inverso – dos alunos universitários que repassam seus conhecimentos para um público carente de informação – auxilia na formação de um profissional cidadão e preocupado coma opinião de um público consciente.
O processo de aprendizagem é em via dupla: pois o público passa a conhecer as mídias e utilizá-las a seu favor ao mesmo tempo em que o estudante da comunicação conhece seu público in loco e é capaz de atender aos seus anseios quando estiver atuando profissionalmente.

Revista Viração

A Viração é uma organização Não-governamental (ONG), de educomunicação que nasceu em março de 2003 com o objetivo de unir jovens e adolescentes de todo Brasil em torno de princípios como a defesa dos direitos humanos, a educação à Paz, à solidariedade entre os povos e à pluralidade étnica e racial.

Recebe apoio institucional do Fundo das Nações Unidas para a infância (Unicef), da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco, do Núcleo de Comunicação e Educação da Universidade de São Paulo e a Agência de Notícias dos Direitos da Infância (Andi).

Para a produção da Revista Viração impressa e eletrônica (www.viracao.org), conta com a participação dos conselhos editoriais jovens de 22 Estados, dentre eles Alagoas é representado pelo projeto JECA!

Mais que uma publicação, a revista possui um grande diferencial: os jovens têm vez e voz. Os participantes pode opinar, dar sugestões e colaborar fazendo reportagens, artigos e entrevistas.