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segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

Reparação Social


A diretora do Núcleo de Estudos Afrodescendentes Brasileiros (NEAB), fala sobre as ações realizadas para cotistas

Avanny Oliveira, do Virajovem de Maceió (AL)

Em julho de 2009, um processo movido pelo Partido dos Democratas (DEM), com a finalidade de garantir a declaração de inconstitucionalidade de todas as leis sobre sistemas de cotas raciais aplicadas no país, abriu a discussão sobre o sistema no Brasil.
O sistema de cotas é destinado não somente para afrodescendentes, mas também para pardos provenientes de escolas públicas. A decisão está sendo aguardada por mais de 60 instituições de ensino do país; entre federais, estaduais e particulares; que têm implantado o Programa de Políticas de Ações Afirmativas. O sistema de cotas é uma política legal, contemplada pela constituição de 1988. A diretora do Neab, a historiadora Clara Suassuna comenta sobre o assunto.

Quando surgiu o NEAB e qual o objetivo dele?
O Neab surgiu nos anos 80, mais precisamente no ano de 1981, quando foi criado o primeiro núcleo da Universidade de Alagoas. Primeiro era um centro de pesquisa e hoje é um núcleo de estudos afro-brasileiros. O Núcleo de Estudos, é direcionado a questões afrodescendentes. Ele teve um papel junto com o Movimento Negro muito interessante na década de 80, com o reconhecimento da Serra da Barriga, a 100km de Maceió,  e a história do Quilombo dos Palmares nesta questão de atribuir a identidade afro-brasileira, como primeira republica de africanos, de fato, liberta, do Brasil
O Neab está junto nesta história, da questão da identidade afrobrasileira, não só em Alagoas, mas em todo o símbolo, num conjunto de lutas nacionalmente. Isso veio a partir de colaborações e iniciativas de pesquisadores da universidade junto com as organizações civis da sociedade.

O que são Programas de Ações afirmativas?
A partir de 2001, quando o Brasil se auto-declara um país racista; o país se compromete politicamente a fazer ações afirmativas para amenizar disparidades de todas as formas de discriminação, seja ela xenofóbica (medo do desconhecido, outras culturas, por exemplo), homofóbica (discriminação a homossexuais), contra a mulher, a judeus e etc. Em 2003 temos a questão de envolver a história do afrodescendentes nas disciplinas da escola e em seguida vem a questão da cultura indígena. Por exemplo, a gente desconhece as palavras que são utilizadas na língua portuguesa que nem nos damos conta, como por exemplo: vatapá,  naná (dormir), mimi, galalau, bambambã, palavras que a gente usa aqui em alagoas e que devemos ensinar os meninos, essa influencia afro, assim como devemos estudar outras culturas.
É você incluir quem está fora, retratando, e dando oportunidade a quem esta fora, isso é um Programa de Estado. Nós somos formados dentro de uma sociedade racista e preconceituosa e temos que começar este processo que vai demorar anos. As políticas de ações afirmativas são um ‘ponta-pé’ inicial.
As políticas de ações afirmativas, não é um programa de um governo. É um processo de retratação histórica.

Este programa é só destinado a negros?
Todo mundo fala de cotas, mas o programa envolve formação de professores, envolve conhecimento e capacitação, atendimento aos alunos. Além da cota, é um programa bem mais amplo, existe a permanência do alunos dentro da universidade, que envolve a ampliação de um restaurante universitário, ampliação de dormitórios.

Quando foi implantado o sistema de cotas na Universidade Federal de Alagoas? E como ele vem sendo recebido?
O nosso programa foi implantado pelo CONSUNI (Conselho Superior Universitário), da Ufal, em 2003, em 2004 preparamos o vestibular, em 2005 os primeiros alunos ingressaram na universidade vindos de escolas publicas e auto-declarados pretos ou pardos e nosso programa terá validade até 2014. O nosso programa está vinculado a escola publica, o que não significa que os alunos de escola publica não possa fazer o vestibular normal. O sistema de cotas não é um presente, os meninos passam pelo mesmo processo seletivo.
Nós fizemos um programa aqui na Ufal, que ao que me parece diferencia de outros projetos espalhados pelo Brasil, que as universidades têm a liberdade de fazer seu próprio programa dentro de sua realidade. Nós oferecemos 60% (dos 20% de vagas destinadas a cotas) das vagas para mulheres, e 40% para homens, o porquê disto é que percebemos que a mulher entra menos na universidade porque muitas das vezes ela é quem cuida da família, dos filhos e ela quem fica com as responsabilidade de cuidar da família, então ela estuda menos.

O aluno cotista, quando entra na universidade recebe educação diferenciada?
O aluno cotista, na hora que ele entra na universidade, os professores não tem acesso a estas informações, a não ser que o aluno queira se auto-declarar cotista, na pagela não tem essa divisão, nós aqui do Neab sabemos, porque trabalhamos junto com a Copeve (Comissão Permanente do vestibular) da Ufal.

O que diferencia o sistema de outros do Brasil?
Normalmente o aluno que vinha das escolas públicas escolhiam a área de humanas, por ser considerada uma área fácil, e com a implantação destes programas os alunos estão tendo um incentivo maior para buscar as áreas de saúde e engenharias.
O nosso sistema difere do de Brasília, porque lá existe uma comissão que entrevista o candidato e diz se ele tem direito a cotas ou não. Nós temos um documento, legal, que o candidato se auto-declara, em um processo de formação que leva o aluno a pensar, de onde eu venho, quais as minhas origens e como eu me auto-declaro.
Alunos que tiverem os últimos 3 anos de escolas públicas, consecutivos tem direito a cotas.

Quantos alunos tiveram acesso a universidade por este sistema?
Desde 2005 até os dias de hoje, foram 3022 alunos cotistas. Sendo que em 2005 entraram apenas 192 e agora em 2010 entraram 766, mostrando um crescimento gradativo.

A que se deve este crescimento?
Os alunos começam a conhecer o programa através das escolas, há uma maior divulgação. A gente percebeu que os alunos de escolas públicas não têm coragem de se inscrever no vestibular por se achar incapaz de passar. Pensam que a universidade é lugar pra gente rica, que eu não vou passar e etc. Com este programa de ações afirmativas o aluno tem coragem de se inscrever em um vestibular. Hoje temos alunos que tiram os primeiros lugares, este tabu vem sendo quebrado. Este é um modo de fazer alguma coisa pela escola enquanto ela não melhora.

E quando este aluno entra na universidade, em alagoas, há algum programa de incentivo?
Sim, o aluno pode se inscrever em bolsas, onde o professor orienta e o aluno fica tutelado, em uma pesquisa. Nós tivemos, por exemplo,  de 2005 a 2007 um programa do Ministério da Saúde chamado “Afroatitude”, ligado a Pró-reitoria de Extensão. Em 2009 até o final de 2010 estamos com o Programa Odé Ayê (para todos), para professores e alunos cotistas, com projetos específicos de pesquisa de campo, onde vão trabalhar durante um ano.  Neste ano foram aprovados 14 projetos, dentro deste programa.
Aqui na Ufal temos uma linha de publicação específica chamada Kulé-kulé, um livro em formato de revista, publicada a cada 2 anos, com artigos científicos produzidos por alunos e professores coma temática afrobrasileira. Este ano será lançado um livro sobre a cultura. Esta publicação é mais destinada a professores de ensino médio, nós doamos para as escolas públicas. No ano passado a gente tinha pelo menos um livro em cada biblioteca do Estado. Só temos mil livros, o que é pouco, mas a gente tenta fazer o máximo que se pode fazer.
 
Tá na mão:
ü Se você se interessou pela publicação kulé-kulé ela está disponivel para baixar e ser usada como ferramenta de ensino, através do site: www.ideario.org.br
ü  O blog do Neab é: www.nucleo.ufal.br/neab
ü  Informações sobre o núcleo: neabufal@hotmail.com


*** Matéria publicada na Revista Viração Nº63, Junho/Junho de 2010. também disponível para dowload.

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