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quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

Agora por nós mesmos

 Jhonathan Pino, do Virajovem Maceió (AL)*

O cineasta Cacá Diegues e a produtora Renata Magalhães falam sobre cinema e ação policial no Rio de Janeiro

Durante o 3º Seminário Internacional da Universidade Federal de Alagoas (Ufal), realizado em novembro de 2010, um dos nomes mais aguardados pelo público foi o do cineasta Cacá Diegues. Ele veio com a sua esposa e também produtora, Renata Almeida Magalhães, para a divulgação do longa-metragem 5 x Favela: Agora por nós mesmos, feito pela produtora do casal e que reuniu cinco jovens cineastas e moradores de comunidades do Rio de Janeiro para atuarem no roteiro e na direção.
Essa produção foi baseada em um filme de nome homônimo, rodado em 1961, dirigido por jovens da classe média do Rio de Janeiro, que ao focalizar a realidade das favelas cariocas em cinco diferentes histórias, acabou dando novos rumos ao cinema brasileiro e serviu de marco para o início do Cinema Novo no País.
A segunda versão do 5 x Favela foi produzida por jovens cariocas moradores das favelas retratadas, que foram responsáveis pelo roteiro e direção de outras cinco histórias com a visão própria dos moradores. Foi por isso, e pela qualidade do longa-metragem, que a produção vem chamando a atenção em festivais de cinema consagrados no mundo, como os de Chicago e Cannes.
Em sua última passagem por Alagoas, além de participar do Seminário na Ufal, Cacá madrugou no Corujão do Cine Sesi e recentemente recebeu a Medalha do Mérito da República Marechal Deodoro da Fonseca, cedida pelo governador Teotônio Vilela Filho no Memorial da República.
Apesar de ter vivido em Alagoas só até os seis anos de idade, o cineasta não esquece as origens: filmou longas em Alagoas, como Deus é Brasileiro (2002) e Joana Francesa (1973) e abordou o Estado em vários outros filmes, como Ganga Zumba (1964) e Quilombo (1984). Atualmente Cacá e Renata estão iniciando uma produção inspirada na poesia de O Grande Circo Místico, de Jorge de Lima.
Os dois concederam uma entrevista à Vira que, apesar de ter sido feita no começo de novembro, antecipa algumas questões que vieram à tona com a megaoperação policial que expulsou os narcotraficantes do Complexo do Alemão, no Rio de Janeiro (RJ).

Viração: No início do filme 5 x Favela, uma mensagem diz que “depois dos policiais, agora é a vez dos moradores da favela falarem sobre a realidade deles”. Essa série de filmes com a linguagem das comunidades tem aumentado no Brasil. Esse tema gera certo incômodo nos produtores de filmes com o foco nos policiais?
Cacá Diegue:: Na verdade, existe hoje um certo estereótipo da favela carioca. Um clichê da favela. E é claro que o noticiário foca mais no lado emocional e escandaloso, ou seja, na violência. Mas isso não significa que aviolência está presente o tempo todo. Apenas 0,02% da população de uma favela está ligada ao tráfico, mas são eles que controlam o espaço. E o resto dos 99,98 %, que são pais de famílias, pessoas que querem estudar e crescer na vida, mas estão prejudicados por essa situação. Eles precisam ter voz também. Então, a ideia de 5 x Favela foi fazer com que os jovens fossem porta-vozes de suas próprias vidas e recuperassem a sua própria identidade.

Você escreveu, no jornal O Estado de S.Paulo, sobre a instalação das Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) nas comunidades do Rio de Janeiro. Você acha que essa ação trouxe grandes mudanças?
Cacá: A UPP é o primeiro projeto de segurança pública válido para as favelas do Rio de Janeiro. É um passo importantíssimo, pois recupera um território ocupado pelas armas. Mas se o Estado não trazer saúde, educação, saneamento básico etc., não vai adiantar nada, porque os meninos que estão sem emprego e precisam de renda vão para o lado do crime. Acabamos de fazer um documentário (4 x UPP) sobre esse assunto, dirigido por quatro diretores do 5 x Favela para dizer que a UPP é o primeiro passo para a mudança da realidade carioca que realmente tem valor. 

Qual a maior diferença da primeira versão do 5 x Favela (1961) para o filme atual, além da classe social dos diretores?
Cacá: A diferença basicamente é essa mesmo, pois enquanto o filme original era um filme generoso, que acabou sendo um marco para o Cinema Novo, tinha um olhar de fora da favela. A versão atual não, pois tem um olhar de dentro da favela, das pessoas que moram lá. Portanto é um olhar diferente. Não estou dizendo que a outra visão é inválida e acho perfeitamente legítimo que os cineastas de classe média queiram fazer filmes como o 5 x Favela. Mas é preciso que as pessoas de dentro das favelas também possam ter essa oportunidade.
Renata: E isso só foi possível quase 50 anos após o nascimento do chamado cinema moderno. Eu acho que faz todo um sentido, é uma coisa que desenha um olhar muito bacana que o cinema tem.
O número de filmes que vocês produziram sobre Alagoas é bem expressivo, e agora vocês estão planejando um longa a partir do poema O Grande Circo Místico, de Jorge de Lima. 

Por que esse grande interesse cinematográfico por Alagoas?
Cacá: A minha família, com exceção dos meus pais, está toda aqui em Maceió, e até os meus 13 anos eu passava as minhas férias aqui na capital. Meu pai, um antropólogo e escritor, nos fazia ler sobre o Estado e, nisso, ganhei uma formação cultural. Também viajei muito por Alagoas com ele, conhecendo tudo muito bem. Tenho laços sentimentais aqui. Mas a base do meu trabalho é no Rio de Janeiro. 

O filme O Quilombo, por exemplo, foi gravado no Rio de Janeiro, mas cita uma história de Alagoas.
E o filme que faz referência à obra de Jorge de Lima?
Renata: É só um poema e está dando um trabalho (risos)! A gente ainda está no começo. 

Ele vai ser filmado aqui no Estado?
Cacá: Ainda vamos ver, pois só vamos começar a gravação no segundo semestre de 2011. Não
tem muita coisa decidida. 

*** Matéria publicada na Revista Viração Nº68, Janeiro de 2011. também disponível para dowload.

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